EROSÃO COSTEIRA

O que é Erosão Costeira ?
Análise do Fenômeno
Gestão do Problema
Dificuldades na Gestão do Problemama
Erros e Acertos
Metodologias para Avaliação da Erosão da Linha de Costa



O que é Erosão Costeira ?
A linha de costa é sem dúvida uma das feições mais dinâmicas do planeta. Sua posição no espaço muda constantemente em várias escalas temporais (diárias, sazonais, decadais, seculares e milenares). A posição da linha de costa é afetada por um número muito grande de fatores alguns de origem natural e intrinsecamente relacionados à dinâmica costeira (balanço de sedimentos, variações do nível relativo do mar, dispersão de sedimentos, storm surges etc), outros relacionados a intervenções humanas na zona costeira (obras de engenharia, represamento de rios, dragagens etc.).

Como resultado da interação entre estes vários fatores, a linha de costa pode avançar mar adentro, recuar em direção ao continente, ou permanecer em equilíbrio. Quando a linha de costa recua em direção ao continente, fala-se que a mesma está experimentando erosão.

O fenômeno de erosão torna-se um problema para o homem (risco natural - natural hazard) quando este constrói algum tipo de referencial fixo (estrada, prédio ou outro tipo de construção permanente) que se interpõe na trajetória de recuo da linha de costa. Deste modo o problema de erosão, conforme apontado por vários autores, é de certa maneira causado pelo homem, pois se ninguém morasse próximo à linha de costa este problema não existiria. Deve-se ressaltar que o problema de erosão não se restringe apenas às linhas de costa oceânicas, podendo também ocorrer em praias associadas a corpos d’água interiores, como lagoas e lagunas.

É importante esclarecer que o fenômeno da erosão não implica em destruição da praia arenosa, como o termo à primeira vista parece sugerir. A posição da praia simplesmente recua continente adentro durante este processo. Deste modo alguns autores sugerem que em vez de erosão, seja utilizado o termo "recuo da linha de costa", visto que este último traduz de maneira mais fiel o que realmente acontece. O desaparecimento da praia arenosa, usada para fins recreativos, ocorre quando o homem interfere no processo de recuo da linha de costa, tentando estabilizar a posição da linha de costa através de obras de engenharia.

Como o problema da erosão resulta essencialmente de um conflito entre um processo natural, o recuo da linha de costa, e a atividade humana, a solução do problema passa necessariamente pela questão do uso do solo na zona costeira. Tentativas de se estabilizar a posição da linha de costa através de obras de engenharia (molhes, sea walls etc.) tem se mostrado ineficientes em controlar o fenômeno, e via de regra implicam na destruição da praia recreativa. Entretanto em alguns casos extremos esta é a mais efetiva e rápida maneira de defesa do patrimônio público ou privado.

Em escala mundial, alguns autores estimam que cerca de 70% das linhas de costa do mundo estejam experimentando erosão. Isto tem despertado a atenção de cientistas e planejadores em todo o mundo para este fenômeno, a compreensão de suas causas e o que fazer para minimizar os prejuízos materiais decorrentes do mesmo. É importante chamar atenção para dois aspectos fundamentais que devem ser necessariamente contemplados quando se analisa o fenômeno da erosão costeira:

1. A praia recreativa, onde os efeitos da erosão se expressam de maneira de maneira mais visível, é apenas uma pequena porção de uma feição natural maior chamada de Antepraia, que também é afetada por processos atuantes na plataforma interna. Portanto a compreensão do fenômeno da erosão costeira passa necessáriamente pela compreensão dos processos dinâmicos que ocorrem na antepraia.
2. Como são muito os fatores que controlam a posição da linha de costa (incluindo-se aí o seu recuo), as causas específicas do fenômeno devem necessáriamente variar geográficamente. As zonas costeiras do mundo evoluiram em equilíbrio com uma série de parâmetros intrinsecamente relacionados com a história geológica de cada região. Assim por exemplo se comparamos a evolução da zona costeira do Brasil com aquela da costa leste americana e do Golfo do México vamos ver que as mesmas evoluiram de maneira bastante diversa, o que resultou em fisiografias totalmente diferentes. Estas duas regiões experimentaram durante os últimos 5.000 anos histórias de variação do nível do mar bastante distintas. Enquanto nos Estado Unidos o nível do mar esteve continuamente em elevação durante os últimos 5.000 anos, na costa do Brasil este nível desceu cerca de 5 metros no mesmo período. Esta diferença na história das variações do nível relativo do mar teve profundas repercussões na evolução da zona costeira, o que se reflete nas fisiografias exibidas por estas duas regiões. Assim para a zona costeira norte-americana predominam feições como estuários, baías, lagunas e ilhas-barreiras, com poucos rios desaguando diretamente na plataforma interna. De outro lado, na costa do Brasil, a fisiografia da zona costeira de um modo geral é bastante diferente, com ilhas-barreiras e lagunas estando virtualmente ausentes, sendo substituídas por planícies de cordões litorâneos e com os rios desaguando diretamente na plataforma interna. Ainda que regiões como a zona costeira do Estado do Rio Grande do Sul, apresentem lagoas e lagunas costeiras, estas feições, do ponto de vista evolutivo e de processos dinâmicos guardam poucas semelhanças com a dinâmica tipicamente associada às ilhas-barreiras e lagunas do hemisférios norte. É evidente que estas diferenças em fisiografia e evolução da zona costeira apresentam importantes implicações para a gestão desta região, a qual deve ser embasada em um sólido conhecimento dos processos, da evolução e da dinâmica aí atuantes.

O estudo e a gestão do fenômeno de recuo da linha de costa (erosão) está portanto inserido neste contexto.


Análise do Fenômeno
Quais os fatores determinantes do fenômeno de erosão na zona costeira brasileira ?

Trabalhos já realizados na zona costeira do Brasil mostram que os principais casos de erosão reportados podem ser entendidos e explicados como (i) o resultado intrínseco dos padrões de dispersão e transporte de sedimentos na zona costeira e (ii) resultado de intervenções humanas na zona costeira, seja através da construção de obras de engenharia, seja através de usos do solo inadequados.

Estes casos de erosão não apresentam relação direta com uma possível subida do nível relativo mar, embora este fator não possa ser totalmente descartado. Talvez a ênfase dada ao fator subida do nível relativo do mar para explicar o recuo da linha de costa no Brasil, decorra do fato de que grande parte da literatura produzida no mundo sobre o assunto seja oriunda dos EUA, onde efetivamente a principal causa da erosão da linha de costa esta relacionada à migração de ilhas-barreiras em resposta a uma elevação do nível do mar.

Assim a análise do fenômeno de erosão na costa do Brasil tem que partir necessariamente de um conhecimento da situação local.

O fenômeno de recuo da linha de costa (erosão) pode ser analisado em várias escalas temporais e espaciais. Essencialmente o comportamento de um determinado trecho da linha de costa é resultado do balanço de sedimentos para este trecho. O balanço de sedimentos nada mais é que a aplicação do principio da continuidade ao transporte e deposição de sedimentos (créditos e débitos de sedimentos). Assim se para um determinado trecho da linha de costa, o balanço de sedimentos é positivo, a linha de costa avança mar adentro, se este balanço é negativo a linha e costa irá recuar em direção ao continente. Se o balanço é zero, a posição da linha de costa se mantém fixa.

Estudos mostram que quando se examina em detalhe a evolução da zona costeira, nota-se que algumas regiões do Brasil, a exemplo da região nordeste, tem exibido uma tendência de longo prazo para recuo da linha de costa (erosão), atuando em escalas de tempo de alguns milhares a dezenas de milhares de anos, enquanto em outras regiões a tendência geral tem sido de acumulação de sedimentos e portanto avanço da linha de costa mar adentro. Superimpostos a estas tendências de longo prazo, existem fenômenos que atuam em escalas de tempo de décadas a séculos tais como (i) dinâmica de desembocaduras fluviais e canais de maré, (ii) captura de areia em pontais arenosos, (iii) atividade eólica etc. Fenômenos de mais alta freqüência atuando em escalas de tempo de alguns dias a sazonal, tais como o avanço de frentes frias e as marés meteorológicas associadas, por sua vez ocorrem superimpostos às tendências de médio prazo listadas acima. Todos estes fenômenos controlam a posição da linha de costa e sua compreensão portanto é fundamental para se entender o seu comportamento. Ainda assim, mesmo para aqueles trechos que estão experimentando recuo da linha de costa, este recuo não será uniforme ao longo de um determinado trecho em função do estágio morfodinâmico em que se encontra a praia (dissipativa, refletiva, intermediária).


Gestão do Problema
O manejo do problema de recuo da linha de costa (erosão) no Brasil tem sido feito de maneira expontânea e desordenada, a partir de intervenções de proprietários individualmente ou através de municípios, normalmente após o problema já ter atingido proporções alarmantes. Muitos destes casos de erosão resultam inclusive de ocupação inadequada da zona (faixa) de variabilidade natural da linha de costa nas escalas de tempo sazonal e anual. Estas intervenções desordenadas normalmente se dão através de colocação de muros e espigões nas áreas criticamente atingidas, normalmente implicando no dispêndio de somas elevadas e em prejuízo estético considerável. Em áreas já densamente ocupadas como as regiões metropolitanas, pouco pode ser feito em termos de zoneamento ou disciplinamento de uso do solo, para fazer frente ao recuo da linha de costa. Nesta situação a estabilização da linha de costa através de intervenções de engenharia (muros, molhes ou engordamento de praia) terão de ser implementadas. Estas obras, via de regra são dispendiosas, e ainda que não constituam uma solução adequada para o problema, são inevitáveis tendo em vista a necessidade de se proteger a propriedade. Estas obras de estabilização por vezes causam efeitos adversos dentre os quais pode-se citar a eliminação da praia recreativa, no caso de obras de engenharia rígidas. É óbvio que devido a uma questão de continuidade, a estabilização rígida de algum trecho da linha de costa, irá agravar ou originar um problema de erosão naqueles trechos situados mais jusante ("downdrift"). Isto pode ser claramente observado em várias capitais da região nordeste do Brasil a exemplo de Recife e Fortaleza.

Em áreas ainda não ocupadas, ou em vias de parcelamento, observa-se que não existe qualquer preocupação, quando do licenciamento dos empreendimentos, com o fenômeno de recuo da linha de costa. Para estas áreas ainda não ocupadas, a solução mais adequada seria o disciplinamento do uso do solo, com o estabelecimento de faixas de recuo ("setbacks"). Estas faixas de recuo devem ser estabelecidas para cada trecho da linha de costa tomando-se como base as taxas de recuo históricas da linha de costa, a incursão máxima de marés meteorológicas (quando for o caso) e as previsões futuras de subida do nível relativo do mar. Como estas taxas variam espacialmente, não devem ser extrapoladas para longos trechos da linha de costa.

Deve-se ressaltar que não existe legislação específica no Brasil que contemple o fenômeno do recuo da linha de costa. Existem entretanto leis que estabelecem "setbacks" de largura variável entre 33 e 300 metros, a partir da linha de preamar máxima, criados com objetivos diversos tais como proteção da vegetação de restinga, garantir o livre acesso da população às praias e os assim chamados terrenos de marinha.

Erros e Acertos
As intervenções que visam o controle da erosão da linha de costa tem encontrado mais insucessos do que sucessos, devido principalmente aos seguintes fatores:
(i) o problema da erosão costeira conforme já mencionado está intrinsecamente relacionado ao fato de que a posição da linha de costa está em constante movimentação e mais cedo ou mais tarde vai entrar em conflito com edificações rígidas construídas pelo homem. Portanto é um fenômeno que o homem tem que aprender a conviver. Não existe consciência adequada por parte dos técnicos envolvidos com a gestão da zona costeira deste fato básico.
(ii) o fenômeno da erosão da linha de costa até o momento não é objeto de atenção de uma legislação específica, talvez devido ao fato de apenas muito recentemente este problema ter começado a freqüentar as páginas dos jornais.
(iii) como conseqüência do que foi dito acima não existem estratégias oficiais para enfrentamento do problema, em qualquer dos níveis governamentais e as intervenções tem tido sempre um caráter emergencial.
(iv) a ausência de uma estratégia oficial para enfrentamento do problema dá lugar a intervenções de caráter "individual" (seja do proprietário, seja dos próprios municípios agindo independendemente), que contribuem para o agravamento do problema.
(v) os "setbacks" existentes, principalmente os 33 metros de terreno de marinha, via de regra não são respeitados pelos incorporadores e proprietários. Deve-se ressaltar que a simples observância desta faixa de recuo de 33 metros minimizaria muito dos problemas de erosão existentes atualmente no Brasil.
(vi) em vários locais, os proprietários e municipalidades avançam na região dita de pós-praia, inclusa na zona de variação sazonal da linha de costa desencadeando problemas de erosão que de outra maneira não ocorreriam.
(vii) as obras de estabilização rígida (muros e molhes) são efetuadas normalmente em caráter emergencial e improvisado, sem a orientação técnica adequada, o que resulta na pequena durabilidade das mesmas.

Todos estes fatores fazem com que as iniciativas de controle de erosão no Brasil não tenham sido bem sucedidas. Isto pode ser resumido em dois aspectos fundamentais:
(i) o controle da erosão envolve obras de engenharia via de regra caras, que implicam na destruição em muitos casos da praia recreativa, portanto se de um lado preserva a propriedade, de outro elimina um importante recurso natural da zona costeira. Estas intervenções além de caras exigem custos de manutenção muitas vezes elevados que muitos municípios e proprietários não podem arcar. Embora o sucesso destas intervenções seja limitado, as mesmas são a única solução depois que as propriedades já se encontram ameaçadas. Estas obras devem ser executadas obedecendo normas técnicas adequadas
(ii) uma abordagem mais pró-ativa baseada no estabelecimento de "setbacks", seria a mais adequada, e que provavelmente implicaria em taxas de sucesso maiores no controle da erosão, com menos custos para as municipalidades e proprietários. Esta abordagem entretanto não tem sido popularizada seja por falta de legislação específica, seja pela não implementação das faixas de "setbacks" já previstas pela legislação.


Dificuldades na Administração do Problema
As principais dificuldades para a administração do problema que podemos vislumbrar no momento são as seguintes:

(i) o desconhecimento do problema por parte dos administradores costeiros, a não ser em regiões já seriamente afetadas, faz com que este fator seja virtualmente ignorado na avaliação e licenciamento de projetos e nas propostas de zoneamento costeiro.
(ii) a implementação de uma política de "setbacks" para enfrentar o problema certamente enfrentará grandes dificuldades de aceitação por parte de proprietários e incorporadores, uma vez que implica de certa maneira em uma "desapropriação" de parte da propriedade, visto que algumas destas faixas de "setbacks" terão necessáriamente caráter "non-aedificandi"


Metodologias para Avaliação da Erosão Costeira
Dentre os métodos que podem ser utilizados para se compreender as tendências de comportamento da linha de costa nas suas várias escalas temporais e espaciais pode-se mecionar.

· análise das tendências de erosão de longo prazo da zona costeira com base no conhecimento de evolução da linha de costa durante o Quaternário.
· comparação de fotos aéreas verticais obtidas em épocas distintas. Observar que estas fotos deverão estar disponíveis em escalas adequadas para a análise do fenômeno. Deve-se também levar em conta que como as fotos são uma projeção central as mesmas antes de ser comparadas devem ser corrigidas para projeção ortogonal
· utilização de Sistemas Geográficos de Informação
· entrevistas com moradores locais
· monitoramento através de sobrevoos e execução de perfis de praia


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